segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

CIDADE PERDIDA - MANUSCRITO 512

A Cidade Perdida do Manuscrito 512

2009-05-04 17:27

Há quase 250 anos a narração de uma viagem de bandeirantes indicava a existência de uma cidade fantástica no interior da Bahia. Muitos pesquisadores procuraram por ela e, agora, existem indícios de que ela pode ter sido encontrada.

Pablo Villarrubia Mauso

Estava caminhando por uma longa estrada de pedras arredondadas, marcada pela presença das ruínas de inúmeras casas de pedra. Algumas eram construídas com blocos ciclópicos bem cortados e com até dois metros de comprimento, que deviam pesar mais de três toneladas. À minha esquerda, vi grandes amontoados de lajes e, poucos passos à direita, abria-se um desfiladeiro que se perdia de vista. Tinha deixado para trás um complexo de ruas e ruínas de construções espalhadas sobre uma grande área montanhosa.
Emocionado e cansado após muitas horas de caminhada subindo a encosta, finalmente o resultado valeu a pena: tinha chegado à famosa ‘cidade perdida’ do Brasil, a ‘Machu Picchu brasileira’, a mesma que o célebre coronel inglês Percy Harrison Fawcett buscou com tanta tenacidade e afinco entre os anos de 1921 e 1925, data de seu trágico desaparecimento nas selvas do Mato Grosso.
Continuei descendo a montanha até encontrar um edifício com muitas janelas e com mais de 30 metros de comprimento. Estava na cidade abandonada de Igatú, município de Andaraí, em plena Chapada Diamantina, no estado da Bahia. “Esta é a cidade que aparece no manuscrito número 512, conservado na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, o mesmo documento que despertou o interesse de muitos estudiosos”, afirmou o explorador alemão Heinz Budweg, em São Paulo. A se acreditar nisso, Budweg conseguiu decifrar um dos maiores enigmas arqueológicos do século: o da existência de uma cidade pré-colombiana em território sul-americano oriental, onde se supunha que apenas haviam habitado indígenas ‘selvagens’, que jamais tinham construído cidades de pedra.
Muitas hipóteses controversas foram elaboradas sobre a origem dos construtores da cidade perdida, até então conhecida apenas por meio de lendas e crônicas. Para uns, poderiam ser incas, pré-incas, egípcios e até mesmo sobreviventes do continente perdido da Atlântida, como acreditava cegamente o coronel Fawcett.
Eu havia seguido as indicações de Budweg para chegar a Igatú, saindo de Salvador e percorrendo mais de 450 km até a vila que sequer aparece nos mapas. Igatú fica no alto de uma serra isolada e escarpada, próxima ao povoado de Andaraí, ‘um lugar esquecido por Deus’. A maltratada estrada que sobe a Igatú mostrava um cenário titânico, com centenas de formações rochosas trabalhadas pela erosão, construindo formas de criaturas monstruosas. Um chuvisco sublinhava ainda mais o aspecto oculto e misterioso da região.

Expedição Misteriosa
Ainda que sejam bem conhecidas a história do coronel Fawcett e sua procura incessante pela cidade perdida em Mato Grosso, a viagem solitária que realizou pela Bahia não é tão famosa. Em sua expedição, o explorador inglês chegou muito perto de Igatú, uma vez que esteve na vila de Lençóis — um importante ponto de encontro de exploradores que buscavam riquezas e onde havia um consulado francês para negociar a compra de ouro e diamantes. No entanto, naquela época, falava-se que indígenas ‘hostis’ e não-catequizados habitavam as selvas da Bahia.
Em Lençóis, percorri o antigo mercado, no qual Fawcett chegou com suas mulas em 1921 e comprou provisões para seguir viagem. Alguns investigadores acreditam que o teimoso inglês conseguiu chegar à cidade perdida e a importantes minas de prata, mas preferiu se calar e buscar outras ruínas em Mato Grosso.
Que mistérios se escondem nas pesquisas de Fawcett na Bahia? Segundo seu diário, no Rio de Janeiro ele teve acesso às páginas de um manuscrito redigido em 1753 — conhecido pelo número 512 —, que no século passado foi reproduzido por uma revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB). Na antiga capital do país, conheceu o ex-cônsul inglês, coronel O’Sullian Beare, que lhe disse ter chegado a uma cidade antiga na Bahia, em 1913, com a ajuda de um guia mestiço. Lá, viu uma coluna negra no meio de uma praça, no alto da qual havia uma estátua, tal como tinha sido descrito no documento 512.
Fawcett dirigiu-se à região dos rios Contas e Pardos, onde ouviu relatos de camponeses que, ao se perderem, encontraram uma cidade de pedra com estátuas e uma confusão de ruas. Os índios aimorés e botocudos contaram a ele sobre a existência de ‘aldeias de fogo’, uma cidade com telhados de ouro semelhante às descrições do Eldorado e das Sete Cidades de Cibola.
O explorador inglês acreditava que o Brasil era o continente mais antigo do mundo, tanto geologicamente como também pelos vestígios de espécies pré-históricas. Primeiro, teria sido habitado por ‘trogloditas’ e, mais tarde, por sobreviventes do cataclismo que aniquilou a Atlântida, aos quais denominou toltecas, fundadores de grandes cidades no que hoje é o território brasileiro.
Enquanto percorria a Chapada Diamantina — cujas montanhas e desfiladeiros gigantescos são semelhantes aos do deserto do Arizona e Colorado, no EUA —, caminhando e acampando, pensei que ainda existem muitos enigmas sobre a cidade perdida. Um deles é o significado das inscrições que aparecem no documento 512. Nos anos 30, Bernardo da Silva Ramos, aficcionado por arqueologia e paleografia — e que já havia decifrado uma inscrição supostamente fenícia da Pedra da Gávea, no Rio de Janeiro —, descobriu que os sinais que aparecem reproduzidos no manuscrito faziam referência a um antigo governante grego, Pisistrates, e a um conselho de montanheses gregos no santuário de Demeter e Apolo, na Grécia. Os últimos símbolos ele interpretou como sendo planetas do sistema solar. Uma civilização astronômica no planalto baiano? Talvez. Nos anos 80, a arqueóloga Maria da Conceição Beltrão, do Museu Nacional do Rio de Janeiro, encontrou no interior da Bahia muitas pinturas rupestres com simbologia astronômica e efeitos de luz durante os equinócios e solstícios.

Vikings no Brasil
A exemplo do que ocorreu com o Alasca e a Austrália, a partir de meados do século passado, a Chapada Diamantina foi invadida por um número muito grande de pessoas à procura de riquezas minerais, especialmente ouro e diamante. A vila de Igatú, que chegou a ter 10.000 habitantes, foi um dos acampamentos desses aventureiros que abandonavam a região assim que esgotavam seus recursos naturais.
Por isso é que eu caminhava por ruas desertas, com exceção da entrada da vila, onde cerca de 300 habitantes ainda resistem em abandonar o local, ainda que vivam em condições paupérrimas. São descendentes daqueles aventureiros e de escravos africanos. Em outros tempos, ali haviam sido erguidos os palácios, templos, inscrições misteriosas, estátuas e colunas de pedra negra, sobre a chamada ‘serra resplandecente’, que fascinou a lendária expedição dos Bandeirantes em 1753.
Como me revelou Heinz Budweg, “a cidade foi construída pelos vikings em cerca do ano 1000 de nossa era. Deixaram um sistema complexo de encanamentos para esgoto que, segundo os livros de história, jamais havia existido no Brasil até o final do século passado. Também encontrei várias inscrições rúnicas na entrada de uma mina. Todo o planalto está marcado por caminhos, os peabirus usados pelos vikings e incas para se comunicarem com a América andina”. Budweg apóia e amplia as hipóteses do francês Jacques de Mahieu, dos anos 60, e do investigador brasileiro Amadeu do Amaral, por volta de 1900.
O septuagenário lingüista e explorador Luis Caldas Tibiriçá apresenta outra hipótese. “Os índios brasileiros jamais construíram casas de pedra”, disse quando entrevistado em São Paulo. “Alguns edifícios assemelham-se aos da Idade Média da Etiópia. As inscrições encontradas poderiam ser do idioma gueez, dos etíopes, os mesmos que, em suas crônicas, falavam de terras distantes que alcançaram com suas embarcações”. Tibiriçá acrescenta que os exploradores de riquezas aproveitaram as antigas construções para fazer suas casas, usando o cimento ou modificando algumas paredes, fato que se percebe na diferença existente entre as duas arquiteturas: uma, ciclópica, a outra de estilo colonial, com pedras menores.

Cidade Fantástica
A história da cidade perdida da Bahia aparentemente tem início em meados do século XVIII, com o já mencionado documento 512 que tem como título Relato histórico sobre uma grande, muito antiga e secreta cidade, sem quaisquer habitantes, descoberta no ano de 1753. O destinatário desconhecido da carta havia anotado na mesma que “esta notícia chegou ao Rio de Janeiro no início de 1754”.
O manuscrito, parcialmente devorado pelos cupins — e, por isso, ocultando o nome do autor —, começa falando de uma expedição de bandeirantes que percorria o interior do Brasil. O grupo, que havia partido de São Paulo, viajava já há 10 anos por locais desconhecidos de Minas Gerais em busca das lendárias minas de prata de Muribeca, ou Robério Dias, que Felipe II, da Espanha, tentou localizar sem êxito.
Os bandeirantes se depararam com uma cordilheira cujas montanhas eram tão altas que “pareciam que chegavam à região etérea, e que serviam de trono ao vento, às próprias estrelas”. Temperado com toques poéticos e de mistério, o relato descreve as montanhas como sendo de cristal, em cuja superfície refletiam intensamente os raios de sol, a ponto de deslumbrar os exploradores. Um raríssimo e providencial veado branco, surgido do nada, foi o guia que os conduziu por uma estrada de pedra até as ruínas da cidade perdida. Os rudes aventureiros passaram entre duas serras, através de um vale com uma selva espessa repleta de riachos. Durante a caminhada, os bandeirantes ouviam o canto de um galo e, por isso, julgavam estarem próximos de uma região povoada. Assim como outros ‘galos encantados’ que existem na América, o fenômeno foi interpretado como sendo de origem sobrenatural, uma vez que não existiam povoados na região.
De madrugada, os bandeirantes chegaram à cidade perdida, amedrontados e com as armas prontas a disparar diante de um eventual inimigo escondido. A entrada era formada por “três arcos de grande altura”, sendo que sobre o maior havia inscrições. A seguir, o cronista descreve uma rua com casas de sobrados, cujos telhados eram de cerâmica ou de lajes. “Percorremos com bastante pavor algumas casas, e em nenhuma achamos vestígios de utensílios domésticos, nem móveis... têm pouca luz e, como são abobadadas, ressoavam os ecos dos que falavam e as mesmas vozes aterrorizavam”.
No final da rua principal, os experientes, mas então temerosos exploradores, encontraram uma praça em cujo centro erguia-se uma coluna de pedra negra, encimada pela estátua de “um homem comum, com a mão no quadril esquerdo e o braço direito estendido, mostrando com o dedo indicador o Pólo Norte. Em cada canto da praça, está uma Agulha, semelhante às que usavam os romanos”. Que agulhas eram aquelas? Marcadores geográficos ou astronômicos?

Templários na América
Mais adiante, o relato fala de milhares de morcegos que moravam num ‘palácio’, no qual existe um friso sobre o pórtico com a imagem de uma pessoa jovem e sem barba, vestindo apenas uma espécie de faixa que atravessava seu peito até os quadris. A cabeça ostentava uma coroa de louros, e algumas inscrições incompreensíveis estavam abaixo de seus pés, as quais o cronista procurou copiar.
O Relato Histórico falava de outro grande edifício que foi interpretado como sendo um templo, em cujas paredes podiam ser vistas “figuras e retratos encravados na pedra com cruzes de várias formas, corvos e outras miudezas...”.
Depois desse ‘templo’, os bandeirantes encontraram um terreno apocalíptico, ferido por aberturas na terra, onde jazia sepultada parte da cidade e no qual não nascia qualquer vegetação. À distância de um ‘tiro de canhão’, os aventureiros encontraram um enorme edifício com comprimento de “250 passos de frente”, no qual se entrava por um grande pórtico e subia-se uma escada de pedra de várias cores. A escada terminava num grande salão rodeado por 15 habitações, cada uma com uma fonte e um pátio com colunas circulares.
Um dos bandeirantes, João Antonio, encontrou entre as ruínas de uma casa uma moeda de ouro que, de um lado, trazia a imagem de um jovem ajoelhado, e do outro lado um arco, uma coroa e uma seta. Investigando meus arquivos, encontrei uma foto publicada pelo já mencionado Jacques de Mahieu em seu livro Os Templários na América, na qual se vê uma moeda com características semelhantes, porém de prata. Mahieu acreditava que os templários teriam sido ‘sócios’ dos vikings na exploração de minas de prata na Bolívia e no Brasil por volta do século XIV.
Perto da praça, corria um rio largo por cujas margens aqueles homens caminharam por três dias, até chegar a uma imensa cascata cuja força das águas foram comparadas às do rio Nilo. Caíam com grande estrondo e formavam um rio tão largo que “parecia um oceano”. Entre as rochas que sobressaíam do rio, o grupo encontrou algumas pedras repletas de inscrições que “insinuam um grande mistério”. Perto dali, localizaram pedras com veios de prata. Alguns dias depois de excursionar por Igatú, explorando a Chapada Diamantina, encontrei uma gigantesca cascata, a Cachoeira da Fumaça, cuja altura supera os 300 metros e que poderia ser a mesma do enigmático documento.
Os últimos parágrafos do manuscrito informam que ele havia sido redigido nos sertões da Bahia, entre os rios Paraoaçu (Paraguaçu) e Una. Quem era o autor daquela misteriosa carta? Alguns historiadores propuseram a possibilidade de que fosse uma farsa bem elaborada. No entanto, o importante historiador Pedro Calmon, em seu livro O Segredo das Minas de Prata (Rio de Janeiro, 1950), conseguiu identificar o cronista: o capitão João da Silva Guimarães, falecido entre 1764 e 1766.
O manuscrito foi encontrado por um jovem erudito, Manoel Ferreira Lagos (1816 – 1871), funcionário do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Estava nas prateleiras da Biblioteca Pública da Corte do Rio de Janeiro, e foi reproduzido em 1839, no primeiro número da mencionada Revista do IHGB. Mais tarde, foi traduzido para o inglês e anexado a outra obra, The Highlands of the Brazil, do famoso explorador inglês Richard F. Burton.

Continua a Busca
Entre 1841 e 1846, o cônego Benigno José de Carvalho e Cunha (1789 – 1848), correspondente do IHGB, lançou-se numa aventura para encontrar a cidade perdida na Bahia, acreditando poder localizá-la no sul da inexplorada Serra de Sincorá. Benigno era um personagem curioso: português de Trás-dos-Montes, estudioso de línguas orientais e ex-estudante de matemática na Universidade de Coimbra. Chegou ao Brasil em 1834 e dedicou quatro anos de sua vida à busca das ruínas, com patrocínio do IHGB e do presidente da então província da Bahia.
A partir das informações de um viajante — que não se atreveu a penetrar na espessa selva que então cobria as ruínas —, Benigno ganhou coragem e organizou sua expedição. Os dados fornecidos pelo viajante coincidiam com os dos bandeirantes: próximo, havia uma grande cascata formada pelo Rio Sincorá, em cujas margens se encontravam ricas e profundas minas de ouro e prata. Os camponeses contaram a Benigno que a cidade perdida havia sido destruída por um terremoto e que nela morava um dragão que devorava os intrusos.
Tudo indica que o cônego Benigno esteve muito perto da cidade, se é que não conseguiu encontrá-la. Em uma das cartas que enviou ao IHGB, menciona um proprietário de terras e seu escravo negro que haviam estado na cidade perdida, próxima a um quilombo. No entanto, o proprietário não permitiu que o escravo acompanhasse o sacerdote, que já estava sofrendo com a malária, que também atingiu os 22 homens que formavam sua expedição. Nem mesmo as mulas escaparam às febres terríveis. A falta de recursos financeiros interrompeu a expedição do religioso.
Apesar do aparente fracasso da longa jornada de Benigno, na primeira metade do século XX outro investigador do tema, Estelita Jr., referiu-se aos rumores de que o sacerdote teria descoberto a cidade. Os superiores de Benigno teriam proibido que ele divulgasse tal descoberta, uma vez que existiam minas de prata e outras riquezas minerais nas proximidades.
Mais tarde, em 1880, Teodoro Sampaio, um erudito e explorador das terras baianas, atingiu os paredões da Serra de Sincorá, onde encontrou inúmeras pinturas rupestres e formações geológicas que lembravam uma cidade de pedra. “Não há dúvida”, ele escreveu na época, “o autor do Relato Histórico de 1753 teve diante de suas vistas esse terreno... onde se ouvem estrondos e estampidos misteriosos, o canto do galo nos locais obscuros onde jamais alguém penetrou e que mantém a tradição das célebres minas de prata de Robério Dias.” (O Rio de São Francisco e a Chapada Diamantina, Bahia, 1938).
A procura pela cidade perdida continua sendo, em pleno século XX, tema de muitas discussões. O recentemente falecido arqueólogo brasileiro Aurélio de Abreu acreditava que nos planaltos e desertos da Bahia ainda se escondem muitas outras cidades perdidas, que aguardam ser descobertas e escavadas, algumas possivelmente obras dos incas. Outros investigadores têm encontrado vestígios de tais cidades na Bahia, como os pesquisadores e escritores Renato Bandeira e Gabrielle D’Annunzio Baraldi.

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